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Marcelo de Araujo, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pedro Fior Mota de Andrade, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
A solução para se conter o aquecimento global é a mesma para todos os países: reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente o dióxido de carbono (CO2). Esta é uma medida de mitigação. Mas ainda que todos os países resolvessem implementar imediatamente políticas de mitigação radicais, a crise climática não seria resolvida de um dia para o outro. Para se lidar com as mudanças climáticas são necessárias também políticas de adaptação.
Diferentemente das políticas para mitigação, as estratégias de adaptação devem ser específicas para cada cenário regional. Isto significa que diferentes países e regiões exigirão políticas de adaptação distintas. Por exemplo, no contexto brasileiro, a escassez de água na Região Nordeste pode contrastar diretamente com o excesso de chuvas na Serra Fluminense, resultando na necessidade de ações adaptativas específicas para cada realidade.
A discussão sobre políticas para adaptação constitui um dos tópicos mais controversos na agenda internacional para negociações climáticas. Os países mais pobres, que menos contribuíram para as emissões de GEE, reivindicam dos países mais ricos recursos financeiros e suporte tecnológico para se adaptar. Esse tema foi recentemente discutido na COP28, a Conferência das Nações Unidas sobre o clima, mas o valor oferecido pelos países mais ricos foi considerado “tímido” diante das necessidades dos países mais pobres.
Da interação entre políticas de adaptação e políticas de mitigação surgem dilemas éticos que ainda não foram devidamente discutidos no Brasil. Consideremos o cenário em que países mais ricos auxiliam os mais pobres na adaptação às mudanças climáticas. Contudo, suponhamos, por outro lado, a falta de cooperação internacional de longo prazo para promover políticas de mitigação. Nesse contexto, torna-se desafiador realizar estimativas confiáveis sobre o cenário ao qual cada região do planeta deverá se adaptar.
Cenários climáticos futuros
Se políticas de mitigação radicais fossem implementadas hoje, poderíamos ter a esperança de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima da temperatura média do planeta na era pré-industrial, tal como previsto pelo Acordo de Paris. No entanto, sem cooperação internacional contínua para limitarmos a emissão de gases de efeito estufa, o aumento da temperatura pode chegar a 3,0°C, ou mesmo ultrapassar 4°C ao final do século XXI. Essa variação de temperatura pode não parecer importante, mas como o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) enfatiza: “Com cada aumento do aquecimento global, as mudanças regionais no clima médio e nos extremos tornam-se mais generalizadas e pronunciadas.”
O gráfico do IPCC (Imagem 1) resume centenas de estudos científicos sobre cenários climáticos futuros. Quatro diferentes cenários são apresentados no gráfico, cada um associado a um determinado aumento de temperatura. Podemos ver que os quatro cenários são bem diferentes entre si no que se refere, por exemplo, à temperatura mais elevada para cada ano, especialmente na América do Sul (linha a); ou no que se refere à umidade e viabilidade do solo para a agricultura (linha b); ou índices pluviométricos atípicos (linha c). Para qual desses cenários, então, o Brasil deve se adaptar?
Infelizmente, não é possível darmos uma resposta exata para essa pergunta, pois não é claro se haverá cooperação internacional contínua para promoção de medidas de mitigação. Sem sabermos de antemão se medidas de mitigação serão implementadas na arena internacional, os governos não têm como saber para que tipo de cenário devem guiar suas respectivas políticas de adaptação: se para um cenário em que a metas do Acordo de Paris são cumpridas, ou para um cenário de 2°C, ou de 3°C, ou mesmo de 4°C de elevação da temperatura.
Políticas brasileiras e dilemas éticos
O governo brasileiro atual tem demonstrado empenho na elaboração de um novo plano para adaptação climática, sobretudo porque o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), criado em 2016, como o próprio governo admitiu recentemente, “ficou desatualizado”. No entanto, qualquer novo plano para adaptação climática que desconsidere a igual urgência para a implementação de medidas de mitigação corre o mesmo risco de ficar rapidamente desatualizado.
O governo brasileiro poderia talvez alegar que, neste momento, políticas de adaptação são mais urgentes do que políticas de mitigação. Proteger populações vulneráveis contra eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, é uma questão de justiça social. Ótimo! Mas o risco é promover a justiça social em detrimento da justiça intergeracional. Ou seja, muitas pessoas parecem não se dar conta de que políticas para promoção da justiça social podem entrar em conflito com princípios da justiça intergeracional. É dever das gerações presentes proteger o ambiente para as futuras gerações.
Podemos imaginar um cenário em que, no horizonte dos próximos trinta anos, a adaptação climática seja levada a cabo em consonância com princípios da justiça social. As pessoas da geração atual, assim, serão protegidas. No entanto, se a adaptação climática for financiada, por exemplo, com recursos gerados pela exploração de combustíveis fósseis, e sem consideração pela promoção de políticas de mitigação, o benefício para uma geração será obtido em detrimento dos interesses das próximas gerações.
Não importa no caso anterior se os combustíveis fósseis extraídos no Brasil serão consumidos aqui ou outras partes do mundo. Os GEE podem se acumular por vários séculos na atmosfera, independentemente de fronteiras nacionais. Esse efeito cumulativo e gradual pode acabar encorajando as pessoas da geração atual – e especialmente as pessoas mais velhas dentro da geração atual – a continuar emitindo GEE, pois elas mesmas terão menos a sofrer com o fracasso das políticas de mitigação do que as gerações futuras, ou do que as pessoas mais jovens da geração atual.
Políticas para adaptação climática devem andar lado a lado às políticas para mitigação. Apenas esforços radicais e imediatos para redução e eliminação da emissão dos GEE nos permitirão planejar de modo eficaz as políticas para adaptação climática em consonância não apenas com princípios da justiça social, mas em harmonia também com princípios básicos de justiça intergeracional.
Marcelo de Araujo, Professor de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Professor de Filosofia do Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pedro Fior Mota de Andrade, Pós-doutorando em Filosofia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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